• 23 de julho de 2014
  • JORNAL DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
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"Tem menos água aqui que no deserto do Saara”

Um grupo de seis alunos de jornalismo da ECA-USP elaborou a reportagem hipermídia “2000 e água”, sobre a crise hídrica de 2014 em São Paulo. O biólogo, educador ambiental e presidente da AGUA (Associação Guardiã da Água), John Emilio Garcia Tatton, falou sobre o assunto.

“Tem menos água aqui que no deserto do Saara”. Para ele, toda a rede de ensino precisa ser mobilizada pelo uso racional da água. “Há muito tempo, deveriam estar sendo feitas não só campanhas, mas amplos programas de educação ambiental, da pré-escola à universidade”, defende o especialista.

Apesar de definir as perdas de água do Estado como “um absurdo”, Tatton defende que a responsabilidade pelo desperdício deve ser compartilhada entre todos. “Na agricultura, por exemplo, a irrigação poderia ser realizada à noite. Imagina o quanto se perde de água por evaporação? Na indústria, a água de reuso poderia ser universalizada. Não faz sentido usar água potável e fluoretada para lavar chão de fábrica”, exemplifica. Confira a entrevista a seguir:

2000 E ÁGUA: Entre 2004 e 2013, o consumo de água nos 33 municípios abastecidos pela Sabesp aumentou em 26%, enquanto a produção cresceu apenas 9%. A estiagem no Sistema Cantareira já era prevista?

JOHN EMILIO GARCIA TATTON: A grande complexidade é o aglomerado de 39 municípios, com mais de 20 milhões de pessoas em uma mesma bacia hidrográfica. Segundo a ONU, a disponibilidade hídrica abaixo de 1,5 mil metros cúbicos por habitante por ano já é considerada crítica. Na bacia do Alto Tietê este índice é de apenas 200 metros cúbicos. Tem menos água aqui que no deserto do Saara. Há muito tempo já deveriam estar sendo feitas não só campanhas, mas amplos programas de educação ambiental, da pré-escola à universidade, porque era óbvio que isso ia acontecer.

A seca sofrida na bacia PCJ agravou ainda mais a situação na região que já estava poluída. Como a AGUA acredita que esse cenário possa ser contornado?

A estiagem implica não só na redução da água, mas também na mudança da concentração de nutrientes nela. Devido às ações antrópicas [causadas pela ação humana] decorrentes da agricultura e da indústria, todos os mananciais nas regiões metropolitanas estão eutrofizados pelo aporte de nutrientes como o fósforo, que é o fator limitante na floração das algas. É preciso reduzir o alimento da alga. Ela se alimenta principalmente do fósforo, que tem três fontes: sabão em pó, resíduos, e o desmatamento que deixa o solo exposto e faz com que a água das chuvas leve os nutrientes ricos em fósforos para a represa.

Ao mesmo tempo em que o Estado de São Paulo passou por uma estiagem, no Sul do Brasil observamos as comportas da Usina Hidrelétrica de Itaipu serem abertas. Como poderíamos amenizar esses contrastes climáticos regionais?

Os extremos, enchentes e escassez, prenúncios das mudanças climáticas têm sido recorrentes. A verdade é que conseguimos alterar até o curso dos “rios voadores”, impactando não só a bacia hidrográfica, mas também a bacia aérea. As águas de março não chegaram suficientemente este ano porque desviamos as correntes aéreas, por meio de desmatamentos na Amazônia e no Mato Grosso. Isso foi decorrente do uso e ocupação do solo, incorreto e indevido, realizado pelo setor do agronegócio, que não poupa em seu caminho nem mesmo os povos da floresta. Por fim, a falta d’água em São Paulo é apenas um capítulo do filme de terror que assistiremos nos próximos anos se não mudarmos nossos paradigmas. Temos que nos engajar na preservação dos mananciais, no uso racional da água e na despoluição hídrica.

O desperdício da água é um agravante para o período de crise. Como evitá-lo?

Devemos trabalhar o conhecimento do ciclo de vida da água, desde a captação nos mananciais à distribuição do consumo. O governo tem que investir mais no controle das perdas de água, que ainda está acima do normal. Atualmente, mais de 25% do que é produzido é perdido. Isso é um absurdo. Mas a responsabilidade é de todos. Na agricultura, por exemplo, a irrigação poderia ser realizada à noite. Imagina o quanto se perde de água por evaporação? Na indústria, a água de reuso poderia ser universalizada, não faz sentido usar água potável e fluoretada para lavar chão de fábrica!

Quanto as empresas e indústria, como incentivá-las a investirem em planejamento ambiental?

Atualmente existem milhares de empresas no mundo que praticam as “compras verdes”, a coleta seletiva e a reciclagem de resíduos. Grandes corporações investiram na gestão ambiental atrelada ao seu negócio e estão inclusive ganhando mais dinheiro com isso. No estado de São Paulo, por exemplo, há dezenas de empresas adeptas ao ISE BOVESPA, índice de sustentabilidade empresarial que premia com maior rentabilidade as empresas sustentáveis. No futuro, não haverá mais espaço para a poluição e desperdício no processo de produção e consumo. A legislação ambiental estará cada vez mais restritiva e o consumidor cada vez mais exigente. Inclusive, preocupado com o trabalho escravo e a justiça social.

Como funciona a legislação ambiental no Brasil para a gestão da água? Ela é eficiente?

No Brasil, a gestão da água modernamente é feita por bacias hidrográficas em um sistema de gerenciamento de recursos hídricos. No Estado de São Paulo temos 22 bacias, organizadas em comitês e câmeras técnicas, onde são discutidas as necessidades e expectativas de todas as partes interessadas. Outra novidade é a cobrança pelo uso da água. Quase todos os grandes usuários já pagam pela água, assim como a própria Sabesp, as indústrias e os agricultores. O que se faz com esse dinheiro? Ele é voltado para administração da própria bacia. Essa verba é usada para obras de saneamento como a construção de estações de tratamento de água e esgoto e também para educação ambiental. Eu acredito nessa gestão. Nos comitês de bacia já se tem mais de R$ 23 milhões só para investimentos em educação ambiental. Porém, o que falta são projetos para o uso e aplicação deste recurso na conscientização e mobilização social. Não se sabe planejar, fazer, checar e avaliar projetos.

Por fim, como a população pode se conscientizar de suas próprias atitudes no contexto ambiental?

Toda a rede de ensino poderia estar sendo mobilizada por uma causa comum: o uso racional da água. A rede de ensino pública atende no Estado cerca de 5 milhões de alunos, por meio de 200 mil professores que são capacitados e treinados por centenas de coordenadores pedagógicos. Portanto, esses coordenadores deveriam estar bem orientados e engajados, principalmente os da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê. O pessoal da Bacia Hidrográfica do Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) já implementou essa estratégia e está conseguindo resultados.

* Publicado originalmente no site 2000 e água.

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